Porque é que dois trabalhadores podem perceber o mesmo risco de forma diferente?
Na área da Segurança e Saúde no Trabalho, partimos do princípio de que os riscos são objetivos e que todos os trabalhadores os identificarão da mesma forma. No entanto, na realidade é diferente. A nossa perceção do risco não é um reflexo fiel do mundo exterior, mas sim uma construção do nosso cérebro baseada em experiências anteriores, filtros sensoriais e modelos preditivos.
Uma análise recente de David Slater, intitulada Perception, Human Error, and Safety – A Constructed Reality, convida-nos a repensar a forma como entendemos o erro humano e a segurança no local de trabalho. A sua conclusão é clara: não vemos a realidade tal como ela é, mas sim como o nosso cérebro a antecipa e interpreta. Isto tem profundas implicações na gestão da segurança.
Como influencia a perceção na segurança no trabalho?
Os trabalhadores não interpretam os riscos de forma uniforme. Um operário experiente pode ignorar um sinal de aviso porque o seu cérebro o classifica como “ruído de fundo”, enquanto um trabalhador novo pode interpretá-lo como um alerta crítico. Esta diferença na perceção resulta de três mecanismos-chave:
- Filtragem sensorial (Sensory Gating): O nosso cérebro decide que estímulos deve atender e quais deve ignorar. Em ambientes ruidosos ou rotineiros, alguns riscos podem tornar-se invisíveis para quem já está exposto a eles há anos.
- Sistema de Ativação Reticular (Reticular Activating System, RAS): Atua como um amplificador da atenção. Por exemplo, um trabalhador que sofreu recentemente um pequeno acidente pode estar hiperconsciente de certos riscos, enquanto que outro, sem experiências anteriores, pode subestimá-los.
- Codificação preditiva (Predictive Coding): O cérebro constrói a realidade com base nas expectativas. Um operário que sempre viu uma máquina funcionar sem problemas pode assumir que continuará a funcionar bem, mesmo perante sinais de possível falha.
Como aplicar estes conhecimentos na gestão diária da segurança?
- Personalizar a formação em segurança
A formação em riscos não pode seguir um modelo único para todos. Devemos adaptar as mensagens à experiência e perceção de cada trabalhador. O uso de simulações realistas e cenários interativos pode ajudar a quebrar expectativas erradas e reforçar a perceção do risco. - Conceber sinais de aviso mais eficazes
Se o nosso cérebro filtra informação redundante, devemos variar a forma como apresentamos os avisos. A combinação de sinais visuais, auditivos e tácteis pode aumentar a sua eficácia. - Promover a comunicação e a cultura de segurança
Se a perceção do erro é subjetiva, um ambiente de trabalho onde os colaboradores possam partilhar experiências com riscos e erros sem receio de represálias ajuda a construir uma compreensão coletiva mais sólida da segurança. - Apostar na tecnologia e na automatização
Sensores e sistemas de monitorização podem funcionar como uma “segunda perceção”, identificando padrões de risco que o olho humano pode não detetar. A combinação entre inteligência artificial e supervisão humana pode reduzir os enviesamentos da perceção. - Rever e atualizar os protocolos de segurança
Normas rígidas podem falhar se não se ajustarem à forma como as pessoas percecionam efetivamente os riscos. Incorporar flexibilidade e feedback contínuo ajuda a alinhar as expectativas com a realidade do dia a dia.
Conclusão: A segurança é uma construção coletiva
Compreender que cada trabalhador perceciona a segurança de forma diferente não é um obstáculo, mas sim uma oportunidade para desenhar estratégias mais eficazes. Enquanto responsáveis pela segurança e saúde, o nosso papel não é apenas impor regras, mas criar um ambiente onde a perceção do risco seja o mais clara e partilhada possível.
O desafio está nas nossas mãos: Como podemos criar ambientes de trabalho que alinhem verdadeiramente a perceção com a realidade? Na PrevenControl podemos ajudar – trabalhamos com Programas de Perceção do Risco que envolvem os trabalhadores na segurança.